Caetano Veloso — Um Índio

Bruno Taurinho
2 min readApr 4, 2017

Caetano Veloso, 1977

Toda canção de Caetano Veloso parece dar brecha para uma longa análise, em que tudo o que é cantado tem um sentido oculto e é um enigma a ser explorado. Talvez seja pelo palavreado muitas vezes rebuscado ou pelo exercício de rima que o quinto dos sete filhos de Dona Canô quase sempre faz. E “Um Índio” não foge muito disso. Cantada primeiro por Maria Bethânia no projeto Doces Bárbaros, que os dois irmãos montaram com Gilberto Gil e Gal Costa, em 1976, a canção entrou para o disco “Bicho”, que Caetano lançou no ano seguinte.

Pouco antes de gravar esse LP, o músico passou um mês com Gil em Lagos, na Nigéria. O lado A do álbum é a prova de que a viagem influenciou algumas composições. Mas “Um Índio”, que abre o lado B, foge dos ritmos e melodias do oeste africano e se mantém como na versão de Bethânia, uma espécie de último suspiro do Tropicalismo. Bem brasileira. Uma das poucas coisas que Caetano já disse sobre a música é que sente muito orgulho de ter rimado Bruce Lee, Muhammad Ali, Peri e os Filhos de Ghandi no refrão. Mais enigmático impossível.

Mas eu prefiro ver essa canção de uma maneira mais simples. Para mim “Um Índio” conta uma história de ares míticos, como se uma tribo, desesperada, tivesse criado sua própria versão do apocalipse e o índio da música fosse um salvador que vai descer de uma estrela quando todos os outros, de todas as tribos, forem mortos. É como se Caetano tivesse aberto um suposto livro das mitologias brasileiras e tirado de lá a história do fim dos indígenas e de sua terra, um destino que parece inevitável. Por fim, ele diz que o índio revelará a todos algo tão óbvio que nos surpreenderá por ainda não termos nos dado conta disso. Caetano não conta o que seria, claro, mas não enxergar o que está bem na nossa frente parece ter virado padrão na nossa sociedade sempre em busca de um progresso a qualquer custo.

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Bruno Taurinho

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