Machado de Assis e o hipopótamo

Bruno Taurinho
2 min readJun 21, 2017

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O que o Bruxo do Cosme Velho tem a ver com o paquiderme africano?

Abri o Google e me deparei com o doodle do 178º aniversário do Machado de Assis. Alguém naquele escritório bonito da Faria Lima (onde se paga o salário em dinheiro E paçoquita) gosta de efemérides aleatórias mais do que eu.

Desenho de Pedro Vergani

Mas eu não tinha entendido os hipopótamos na base da imagem. Então aproveitei que já estava no Google e pesquisei sobre a relação entre um (o?) dos maiores escritores da história do Brasil com esses adoráveis paquidermes que habitam a África (e infestam a Colômbia).

A resposta está em “Memórias Póstumas de Brás Cubas” , quando o escritor realista resolveu dar uma de Laurence Sterne e escrever uma grande piração em formato de folhetim — que eu fui obrigado a ler no segundo grau e não entendi nada, porque deveria estar lendo algo tipo Harry Potter (que só fui ler quando deveria, de fato, estar lendo Machado).

E como Machado de Assis não é Walt Disney (e Brás Cubas não é Mickey Mouse — ainda bem), o romance de 1881 já está em domínio público, pode ser encontrado fora da Biblioteca do Paulo Coelho e a mágica da internet me permite dar um Ctrl+F no arquivo PDF para encontrar a palavra “hipopótamo” dentro do livro.

Ela parece três vezes no capítulo VII, em que Brás Cubas conta de seu delírio antes da morte por pneumonia. Um Hippopotamus amphibius aparece e leva o protagonista em uma viagem que ele inicialmente não questiona, afinal, é um passeio com um hipopótamo, não se deve recusar. Mas depois Brás começa a achar que a viagem é sem destino e o paquiderme (pasmem! — se já não estiverem pasmos, né) responde dizendo, enquanto cavalgava (hipopotangava?) por uma planície, que eles estão indo para “a origem dos séculos”.

O resto é ler pra crer (e você pode fazer isso aqui), mas o negócio é que esse hipopótamo foi muito discutido e até deu o nome a uma biografia escrita sobre o escritor nos anos 1960. O animal seria o arquétipo do homem, um pênis, enquanto a planície percorrida seria o da mulher, um útero. Uma coisa meio freudiana. O bruxo do Cosme Velho provavelmente não leu Freud, mas sobram análises ligando as duas obras. É só ir lá no Google de novo.

O fato é que apenas o hipotético lançamento das “Memórias Póstumas de Machado de Assis” poderia explicar o que de fato quer dizer esse hipopótamo no delírio de Brás Cubas (e levar o apelido de ‘bruxo’ do escritor a outro nível). Mas melhor do que explicar um delírio é curti-lo para depois poder escrever sobre.

E apesar de não saber se Machado de Assis cavalgou um hipopótamo ou não, o negócio é que ele escreveu bem demais sobre isso.

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Bruno Taurinho

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