A paixão nos tempos da cólera

Bruno Taurinho
4 min readOct 15, 2018

Existe um tipo de pessoa com quem é impossível argumentar com fatos. Não adianta mostrar provas, vídeos, áudios, textos e dados, você não vai fazer esse tipo de pessoa mudar de ideia apelando para a realidade.

Estou falando, é claro, da pessoa apaixonada. Se apaixonar transforma sua mente e seu corpo, como uma doença ou uma droga pesada. E a paixão é a melhor doença de todas, pois te tira da realidade e te faz encontrar nas pequenas migalhas distribuídas pelo alvo de seu sentimento os prazeres para continuar apaixonado, acreditando que, em algum momento, aquela paixão vai se transformar em um relacionamento real.

Mas na maior parte das vezes isso não acontece, e o apaixonado tem seu coração partido. Nesse momento ele é jogado de volta à realidade, onde vai sofrer para continuar vivendo, pois está desiludido.

O ‘bolsominion’ é um apaixonado. E não me leve a mal, nem todo mundo que vota no Bolsonaro é ‘bolsominion’. Aquele seu parente que já te disse que o capitão de reserva é louco, mas que vota nele porque o anti-petismo é forte demais e a candidatura do Alckmin não emplacou, não é um ‘bolsominion’. Ele só teve a produção de subjetividade comprometida por anomalias como moral e cívica e não compreende o risco à democracia.

O ‘bolsominion’ é o cara que olha o programa de governo do seu candidato (quando olha) e identifica na proposta “enfrentar o crime e cortar a corrupção” uma solução para dois problemas sistêmicos do Brasil. Mas não são soluções, sequer são propostas. São migalhas para manter quente o coração do apaixonado. É a Síndrome de Estocolmo da democracia brasileira.

Desfazer essa paixão leva tempo, ainda mais se você não é o alvo dela. E a candidatura de Bolsonaro sabe disso, por isso fala o mínimo possível nas mídias tradicionais, evitando debates e entrevistas fora de sua toca, ao mesmo tempo em que espalha muitas migalhas nos rincões do Whatsapp.

Talvez seja tarde demais desfazer essa paixão até o dia 28 de outubro, mas eventualmente ela será desfeita. Quando o primeiro ‘bolsominion’ for agredido pela polícia, enquanto grita desesperado que votou no seu ‘mito’ como forma de defesa, vai perceber que cometeu o maior erro da sua vida. Terá seu coração dilacerado, assim como o de todos que não acreditam nesse mito já está.

Porque a política está em nossas vidas para tudo que diz respeito à realidade. E a realidade é nua e crua, não veste farda, não faz sinal de arma com a mão. É por isso que se deve votar com a razão. E a razão é frustrante e cansativa, pois nesse momento ela ainda aponta para um caminho de luta por uma frágil democracia — 30 longos anos depois do surgimento torto da mesma.

E eu entendo que, para muita gente, é difícil acreditar que estamos em uma disputa pela manutenção do jogo democrático. Ter o 13 como uma garantia de democracia e o 17 como um tiro no escuro não faz sentido para muita gente. Principalmente o ‘bolsominion’, que olha para trás na hora de votar, identifica um passado apaixonante no qual não viveu (e que nem existiu) e prefere migalhas à realidade. Quem arrisca um tiro no escuro, como bom apaixonado, não está se lembrando do risco que é o fogo amigo…

A conclusão é a mais óbvia possível: não aprendemos a votar. Definitivamente não. Do contrário o segundo turno não seria esse. Mas aí sou eu olhando para o passado de forma apaixonada, pois esse não dá mais para mudar. E o voto precisa ser feito na base da razão, pensando no agora e no futuro, lembrando do passado distante apenas para lembrar de não repeti-lo.

Pois é preciso garantir a integridade física desses que estão a sua volta, não importa se você não gosta deles. É preciso garantir que as pessoas não andem na rua com mais medo do que já sentem, que não precisem esconder quem são e o que querem ser. Isso é democracia, é isso que está em jogo.

Então deixe sua paixão de lado no dia 28 de outubro, ou sua desilusão pode ser fatal.

Texto publicado antes do resultado das eleições gerais de 2018.

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Bruno Taurinho

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